Blog do MAG https://blogdomag.blogfolha.uol.com.br Thu, 30 May 2019 23:56:15 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Os 80 tiros e a volta dos porões https://blogdomag.blogfolha.uol.com.br/2019/04/09/os-80-tiros-e-a-volta-dos-poroes/ https://blogdomag.blogfolha.uol.com.br/2019/04/09/os-80-tiros-e-a-volta-dos-poroes/#respond Tue, 09 Apr 2019 13:48:03 +0000 https://blogdomag.blogfolha.uol.com.br/files/2019/04/15547218825cab2c5aab4c7_1554721882_3x2_md-320x213.jpg https://blogdomag.blogfolha.uol.com.br/?p=1189 O homicídio do músico Evaldo Rosa dos Santos, no domingo, no Rio de Janeiro, não comporta tergiversações: trata-se de ação brutal perpetrada por militares do Exército Brasileiro que fere a Constituição e as normas mais elementares do Estado de Direito.

Impressiona a desenvoltura demonstrada pelo grupo fardado, que depois de descarregar 80 disparos –80!– num automóvel ocupado por pessoas pacíficas teria debochado da mulher da vítima, acompanhada do filho de 7 anos, do pai, também atingido, e de uma amiga.

O episódio é também alarmante porque escalões superiores tentaram  iludir a opinião pública com uma nota mentirosa, na qual se apresentava uma história da Carochinha sobre o ocorrido.

Não é um caso isolado a envolver o Exército, que já vinha sendo indevidamente acionado nos últimos anos para desempenhar papel de polícia num contexto de guerra aberta contra quadrilhas de traficantes do varejo das drogas.

A famigerada intervenção decretada por Michel Temer, no Rio, com o intuito, entre outros, de desviar a atenção de suas atividades criminosas (pelas quais finalmente deverá pagar), parece ter sido um marco nesse processo. Com a proteção de uma legislação que entrega à Justiça Militar o julgamento de militares acusados de matar civis, o arbítrio começou a pressionar as barragens.

Há relatos –de autoridades sérias que trabalham na defesa de direitos– de atos cometidos por militares que fazem lembrar os piores momentos de extremistas da caserna.

Muitos brasileiros orgulham-se de ter alçado ao Planalto um candidato identificado com os porões da ditadura. Bolsonaro nunca escondeu quem são seus heróis. É um apologista das armas e da tortura. E isso não é bravata.

O fato de que o “mau militar”, assim citado por Geisel, venha sendo monitorado no governo por um grupo de generais menos insensatos por caminhos tortos ecoa o jogo de atritos e cumplicidades entre as linhas militares de décadas atrás –os moderados, os “bolsões radicais porém sinceros”, os torturadores etc.

O crime contra Evaldo encena a volta dos porões nessa espécie de pós-democracia, à luz do dia, sem receio de punição, sem temor de transgredir regras legais e normas básicas de convívio civilizado. Se já não bastassem os desvios cometidos pelas franjas corruptas e incontroláveis das polícias, vemos uma instituição com a tradição e o prestígio do Exército ser exposta por incursões como essas, que semeiam a selvageria.

Sinal dos tempos, o espetáculo da estupidez merece o aplauso de uma horda de obcecados com a caça aos comunistas e com ataques contra homossexuais, pretos ou feministas. Gente que quer matar “bandido”.  E temos assistido a um perigoso recrudescimento da violência por parte do Estado, pessoas e grupos paralelos.

O que está em curso deveria nos preocupar. Enquanto setores da elite não desviam os olhos da agenda liberal, as bases da convivência social vão sendo corroídas pela escalada de uma direita das cavernas, de caninos aguçados, tacape e tablets nas mãos.

Nada garante que os erros serão reaproveitados numa imaginária “curva de aprendizado” e que as tentativas menos exitosas servirão para indicar os trajetos certos. Há sempre indivíduos, grupos e nações que simplesmente fracassam.

NA FOTO AO ALTO – O músico Evaldo Rosa dos Santos, morto por militares

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De comparação com liquidificador a falácias de Moro, defesa de armas é frágil https://blogdomag.blogfolha.uol.com.br/2019/01/16/de-comparacao-com-liquidificador-a-falacias-de-moro-defesa-de-armas-e-fragil/ https://blogdomag.blogfolha.uol.com.br/2019/01/16/de-comparacao-com-liquidificador-a-falacias-de-moro-defesa-de-armas-e-fragil/#respond Wed, 16 Jan 2019 16:12:10 +0000 https://blogdomag.blogfolha.uol.com.br/files/2019/01/bolso-assina-320x213.jpg https://blogdomag.blogfolha.uol.com.br/?p=1025 Em defesa do decreto que amplia o acesso à posse de armas, dois ministros usaram argumentos risíveis. O primeiro foi o general Augusto Heleno, do GSI. Em seu tom professoral, afirmou, antes mesmo de a medida ser oficializada, que possuir armas se assemelha a possuir automóveis.

Já o chefe da Casa Civil, o criativo e falante Onyx Lorenzoni (até com Deus conversou para se acertar sobre caixa 2) melhorou a piada: ter uma arma em casa -comparou- é como ter um liquidificador. “A gente vê criança pequena botar o dedo dentro do liquidificador e ligar o liquidificador e perder o dedinho. Então, nós vamos proibir os liquidificadores?” -perguntou. E respondeu: “Não. É uma questão de educação, é uma questão de orientação. No caso da arma, é a mesma coisa.”

Menos propenso a tolices desse naipe,  mas igualmente empenhado em disseminar mistificações para justificar o decreto, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, lançou mão de argumentos falaciosos ao comentar o caso.

Segundo ele, as regras mais restritivas mostraram-se ineficazes, uma vez que desde sua entrada em vigor, há mais de uma década, o número de homicídios por arma de fogo aumentou. Ora, o fato de ter aumentado não significa que as regras não servem para nada. Seria preciso saber se sem elas a elevação teria sido maior, além de identificar outras possíveis causas. Apesar de ver rejeitadas algumas de suas sugestões para o decreto, Moro aproveitou entrevista à Globonews para jogar fumaça nas considerações científicas acerca da correlação entre armas e mortes, afirmando apenas que são “controvertidas”.

Sobre o atual estado da arte desse debate, convém ler, aqui, o esclarecedor artigo de Carlos Góes, do Instituto Mercado Popular, doutorando em Economia na Universidade da Califórnia em San Diego. Sem partidarismos e sem dramatizações a favor de um lado ou de outro, ele mostra que as verificações científicas mais recentes apontam para uma relação entre aumento do número de armas e aumento de homicídios -a despeito da existência de um fator dissuasivo.

O aspecto mais alarmante do decreto é a sinalização de que o governo tentará avançar na desregulamentação ou na simples revogação do Estatuto do Desarmamento, o que poderá levar ao agravamento do faroeste nacional. Em vez de transferir para o cidadão o enfrentamento armado de criminosos (e favorecer a indústria do setor, para qual o deputado Bolsonaro sempre trabalhou como uma espécie de lobista) faria melhor o governo em formular um programa sério para a área de segurança, com base em evidências científicas e não em truculência ideológica.   

 

 FOTO ACIMA: Jair Bolsonaro assina decreto para posse de armas, observado pelo chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, pelo vice-presidente Mourão e pelo ministro da Justiça, Sergio Moro – Alan Santos/Divulgação/PR

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Vídeo mostra trecho de fala de Marielle em reunião na casa de Paula Lavigne com artistas e intelectuais https://blogdomag.blogfolha.uol.com.br/2018/03/16/video-mostra-trecho-de-fala-de-marielle-em-reuniao-na-casa-de-paula-lavigne-com-artistas-e-intelectuais/ https://blogdomag.blogfolha.uol.com.br/2018/03/16/video-mostra-trecho-de-fala-de-marielle-em-reuniao-na-casa-de-paula-lavigne-com-artistas-e-intelectuais/#respond Fri, 16 Mar 2018 18:26:17 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://blogdomag.blogfolha.uol.com.br/?p=515

A primeira e, infelizmente, a última vez que vi Marielle Franco foi há menos de um mês, no dia 22 de fevereiro, numa reunião organizada pela ativista e empresária da área de cultura Paula Lavigne, em seu apartamento no Rio. O tema do encontro era a intervenção federal, decretada poucos dias antes.

Compareceram artistas, intelectuais, políticos, líderes e militantes comunitários. Marielle, com sua força vital, falou sobre a expeirência na favela da Maré, onde nasceu; lembrou  a presença de blindados militares no cotidiano das pessoas; referiu-se a  seu mandato popular como vereadora (“estou como vereadora, mas eu sou da Maré”,  diz ela no início do vídeo acima); e fez comentários sobre reuniões e debates na comunidade para instituir uma polícia comunitária e assegurar o direito dos favelados à segurança pública.

Ao mencionar a conjuntura política que se descortinava com a intervenção federal na segurança e com as disputas eleitorais de outubro, ela previa “um processo de acirramento”.

Fica aqui o registro em vídeo de um breve trecho de seu depoimento,  que marcou a reunião e arrancou aplausos dos presentes.

#MarielleFranco #JustiçaParaMarielle

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Autor de ‘Elite da Tropa’ propõe reforma com refundação da polícia e legalização das drogas https://blogdomag.blogfolha.uol.com.br/2017/12/20/autor-de-elite-da-tropa-propoe-reforma-da-seguranca-com-refundacao-da-policia/ https://blogdomag.blogfolha.uol.com.br/2017/12/20/autor-de-elite-da-tropa-propoe-reforma-da-seguranca-com-refundacao-da-policia/#respond Wed, 20 Dec 2017 04:00:50 +0000 https://blogdomag.blogfolha.uol.com.br/files/2017/12/BHi_j0156-1-180x120.jpg http://blogdomag.blogfolha.uol.com.br/?p=23 Se você pudesse implantar uma reforma para mudar o cenário da segurança pública do Brasil nos próximos anos, que proposta você faria?

Quem responde, abaixo, é Luiz Eduardo Soares, 64, que tem longa experiência em segurança pública. Foi secretário nacional da área no primeiro ano do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, depois de já ter passado por função análoga no Estado do Rio, em 1999-2000. Soares é autor, entre duas dezenas de títulos, de “Elite da Tropa” (de 2006, com os ex-policiais André Batista e Rodrigo Pimentel), livro que deu origem ao filme “Tropa de Elite” (2007), de José Padilha.

Mestre em antropologia, com doutorado em ciência política e pós-doutorado em filosofia política, ele considera que um plano de segurança será fundamental para os candidatos que pretendam enfrentar propostas populistas, como as do deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), na disputa eleitoral de 2018. No momento em que o debate das “reformas” é insistente em círculos políticos e na mídia, a reforma da segurança, política pública que está muito longe atender às demandas da sociedade, não poderia ficar de lado. Seria preciso alterar a Constituição, mudar atribuições, refundar as polícias e levar em conta a perspectiva de legalização das drogas.

“Considerando a importância cada vez maior do tema e o avanço da extrema direita, acho que os candidatos do campo democrático e progressista não terão sucesso se negligenciarem essa área”, diz o antropólogo.

Ele argumenta que embora a situação do Rio tenha aspectos próprios, o caminho para mudanças depende de decisões de âmbito nacional. “Segurança pública é matéria multidimensional, por isso requer políticas intersetorias”, diz.

As mudanças, claro, “dependeriam do Congresso e de um(a) presidente da República efetivamente comprometido com as transformações”.

A seguir, os principais pontos da reforma que Soares defende:

“É preciso mudar o artigo 144 da Constituição Federal para alterar a arquitetura institucional da segurança, na qual se inclui o modelo policial. Isso implicaria a redistribuição das responsabilidades, atribuindo mais funções à União e envolvendo os municípios, hoje, negligenciados.

Implicaria também, a médio prazo, a refundação das instituições policiais.

Nesse quadro futuro, nenhuma polícia seria militar, todas cumpririam o ciclo completo de polícia (hoje temos essa jabuticaba que já se provou irracional: investigação, de um lado; tarefas ostensivas, de outro).

Não proponho a unificação, mas a criação de polícias menores, nos municípios maiores ou nas regiões metropolitanas (todas, repito, civis e de ciclo completo).

A carreira, em cada polícia, seria única, isto é, haveria apenas uma porta de entrada em cada polícia. Hoje, na prática, temos duas instituições em cada uma: a dos delegados e a dos agentes; a dos oficiais e a dos praças. As tensões internas são tão fortes quanto aquelas que opõem, atualmente, as polícias civis e militares.

Essas sugestões já estão a PEC-51, apresentada pelo senador Lindbergh Faria (PR-RJ), em 2013. Claro que esse conjunto de mudanças imporia a redefinição das funções e das estruturas das guardas municipais.

Seria preciso definir as polícias como prestadoras de serviços à cidadania, garantindo-lhes os direitos, e valorizando o sistema pericial.

Para assegurar a implantação,  seria preciso ter em vista:

1 – Provisão de recursos federais para complementação salarial dos policiais, garantindo-lhes condições dignas de vida e os impedindo de atuar na segurança privada.

2 – Legalização das drogas, que promoveria o fim da nefasta política de guerra às drogas, a qual constiui uma das principais causas da violência, da circulação ilegal de armas e da corrupção policial, além de ferir os direitos individuais e de criminalizar a pobreza, aprofundando o racismo e as desigualdades.

3 – Proibição de todo o comércio de armas e munição no país.

4 – Restrição do encarceramento aos que cumprem sentença por crimes contra a vida e aplicação de penas alternativas aos demais sentenciados. Isso viria junto de uma transformação profunda do sistema penitenciário, com vistas à efetiva aplicação da LEP (Lei de execuções penais, hoje inteiramente desrespeitada).

5 – Estabelecer como prioridade nacional a defesa da vida, em particular da vida dos que mais têm sofrido com a tragédia da insegurança: jovens pobres e jovens negros, nos territórios vulneráveis. Isso exige comprometimento do MP, no exercício do controle externo da atividade policial, e a criação de Ouvidorias independentes e dotadas de recursos para bloquear de vez a brutalidade policial letal e o viés racista nas ações policiais.

6 – Assunção por parte do governo federal da responsabilidade de zelar para que todos os jovens frequentem escola de tempo integral até o fim do segundo grau.”

 

*Sobre a foto: O antropólogo Luiz Eduardo Soares, ex-secretário nacional de segurança. Fotógrafo: Mauro Pimentel/Folhapress, (12.09.2015) 

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