Deixar de fiscalizar parentes de políticos para ajudar bancos não parece boa ideia
Em entrevista a Frederico Vasconcelos (leia aqui), Gilson Dipp, ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça e criador das varas especializadas em julgar lavagem de dinheiro, disse que não vê enfraquecimento da fiscalização e da investigação de casos de corrupção na proposta do Banco Central de interromper o monitoramento de movimentações bancárias suspeitas de parentes de políticos.
Dipp considera que a medida serviria para diminuir custos de bancos, responsáveis pelo acompanhamento –embora o setor, como se sabe, apresente lucros anuais robustos, mesmo em períodos de recessão, como vimos nos anos recentes.
Não deveria ser um grande dilema decidir entre aliviar as finanças bilionárias dos bancos e proteger a sociedade com fiscalização mais ampla e rigorosa.
Ninguém desconhece que políticos corruptos com frequência usam pessoas de suas famílias para ocultar operações ilícitas. Os nomes são conhecidos e estão aí, alguns já na cadeia. Sintomaticamente, esses próceres costumam se queixar quando os parentes por eles envolvidos em transações suspeitas aparecem no noticiário ou nas investigações.
Lembrar, como faz Dipp, que na Europa o número de pessoas expostas à fiscalização é significativamente menor do que no Brasil não é, com todo respeito, um argumento que ajude a justificar a mudança. As diferenças são evidentes.
O ministro aposentado contesta a relação entre o escândalo Flávio Bolsonaro e a proposta do BC, já que o filho do presidente é ele mesmo um político. Mas não convém esquecer que o episódio trouxe à luz o nome da primeira-dama, Michelle, destinatária de um incômodo cheque do ex-assessor de Flávio, Fabrício Queiroz. Não por acaso, representantes do governo eleito atacaram o Coaf, como se viu no ruidoso chilique de Onyx Lorenzoni, que acusou abertamente o órgão fiscalizador de tentar destruir a reputação do presidente. E agora vem a proposta de modificar as regras.
Levando em conta esse histórico, fiz aqui, em post anterior, uma provocação relacionando o affair Flávio-Fabrício a iniciativas de recuo na transparência pública. O propósito era manifestar perplexidade e chamar a atenção para retrocessos sob um governo que se elegeu com promessas de combater a corrupção e já se vê na defensiva, reagindo a denúncias documentadas que atingem a família presidencial. Na melhor das hipóteses rever os critérios do Coaf a essa altura do campeonato é uma coincidência infeliz –acompanhada, aliás, pelo decreto nebuloso do vice Hamilton Mourão que alterou normas da Lei de Acesso à Informação.
Entre outros, o próprio ministro Sérgio Moro, que vai se acostumando a engolir sapos, manifestou preocupação com a possibilidade de relaxamento dos controles. Felizmente, a proposta do BC vai a consulta pública e provavelmente –esperemos– será rechaçada.
FOTO NO ALTO – A primeira-dama Michelle Bolsonaro e o presidente na cerimônia de posse –