Livro Comunismo para Crianças não é doutrinação para público infantil

Marcos Augusto Gonçalves

Já está causando reações iradas o anúncio de que o livro “Comunismo para Crianças” será lançado no Brasil, pela Três Estrelas. Aconteceu o mesmo ano passado quando saiu nos EUA. Só que o livro, publicado em 2004 na Alemanha, não é o que o título pode fazer parecer. Fiz uma resenha para a Folha em julho de 2017, que reproduzo, com pequenas atualizações, a seguir:

Em tempos de aguda polarização político-ideológica, o lançamento de um livro intitulado “Comunismo para Crianças” dificilmente deixaria de causar polêmica e reações furibundas, em especial num país onde o ativismo conservador está sempre pronto a sacar uma arma quando ouve alguma coisa que soe parecida com ideias de Karl Marx.

“Communism for Kids” é um livrinho traduzido do alemão e publicado nos EUA pela editora do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts). Foi lançado na Alemanha há mais de uma década, em 2004. A autora chama-se Bini Adamczak, uma scholar, nascida em 1979, que se dedica ao estudo da experiência socialista e de seus fracassos.

O livro, na realidade, não é para crianças. A autora, na realidade, lança mão de uma narrativa do tipo “livro para crianças” para tentar esboçar de maneira simples (e fofa) a história do feudalismo, do comércio, da manufatura, do trabalho, do mercado e de movimentos coletivos que tentaram de uma forma ou de outra compensar as assimetrias, distorções e aflições inerentes ao capitalismo.

Embora simpatizante de ideias de esquerda, Adamczak, à diferença do que vociferaram críticos que provavelmente leram apenas o título, não propõe um discurso doutrinário com demonizações e antagonismos vulgares para enganar criancinhas. Na realidade, ela evita a tentação maniqueísta tão em voga no comunismo para adultos infantilizados de nossos dias.

Depois dos capítulos iniciais, em que recorre a ilustrações e expedientes da literatura infanto-juvenil, a autora apresenta um epílogo crítico, definitivamente para adultos, no qual discute, de maneira crítica e ao mesmo tempo esperançosa, o fiasco da experiência dos países socialistas e as perspectivas de mudanças socioeconômicas no mundo pós-fim da história.

Embora diga com todas as letras que a barbárie também foi uma característica daqueles regimes que se esfarelaram com a debacle da União Soviética, Adamczak foi tratada pela imprensa de direita americana como uma espécie de bruxa que tenta enfeitiçar mentes juvenis ocultando as mazelas de um projeto de sociedade criminoso, marcado pelo totalitarismo e pela violência do Estado.

De fato, tomado pelas aparências, o livrinho é um prato cheio para ataques raivosos. Mais produtivo seria discuti-lo e criticá-lo em suas premissas, que são honestas, mas não raro utópicas e fantasiosas.

Mas isso, no ambiente de confronto ideológico de nossos dias, talvez seja querer demais.

FOTO – O filósofo alemão Karl Marx (1818-1883)