Execução de Marielle deixa no ar sinal de que novos atentados podem ocorrer

Marcos Augusto Gonçalves

A morte da vereadora carioca Marielle Franco deixa no ar um sinal de que a intervenção no Rio poderá enfrentar novas ações de retaliação ousadas por parte do crime organizado e de setores da estrutura pública a ele associados –a confirmar-se que o assassinato tenha partido, como tudo sugere, dessa área.

Não esqueçamos o que aconteceu em São Paulo, em 2006, quando uma série de ataques coordenados pelo Primeiro Comando da Capital (facção que desde então só se expandiu) propagou pânico,  acuou a população e intimidou o poder público.

Tudo começou entre a noite do dia 12 e a tarde do dia 13 de maio, breve período em que se registraram mais de 60 atentados contra policiais, guarda civis e agentes prisionais, com um saldo de 30 mortos e 25 feridos.

Numa onda de terror, os atos prosseguiram nos dias seguintes. A polícia, então, reagiu de maneira brutal. Entre 12 e 21 de maio, contou-se um saldo de 564 mortos por arma de fogo no Estado –59 eram agentes públicos, 505, civis.

Nos últimos 12 anos, depois da carnificina paulista, uma série de outros ataques ocorreu pelo país –e talvez não seja exagero classificar  essas ações como uma modalidade de narcoterrorismo.

No Rio, o assassinato em série de policiais militares, a que se assiste nos últimos tempos, é uma clara ação intimidatória, que lembra a atuação de grupos guerrilheiros de outros tempos –e também de outros países.

Agora, a matéria escura que se oculta nas instituições e nos subterrâneos do crime produz sem hesitação, sob a intervenção das Forças Armadas, um atentado bombástico. Elimina-se uma representante eleita do povo que militava por direitos e denunciava abusos e ilegalidades de policiais. A mensagem é clara –como destacou Alvaro Costa e Silva em coluna publicada na Folha neste sábado (17/3): “Não mexam com a gente, ninguém está a salvo”.

O crime ocorreu no momento em que o presidente Michel Temer, em mais um de seus pronunciamentos infelizes, especulava diante de uma plateia de empresários paulistas sobre a possibilidade de sua “jogada de mestre” ser encerrada em setembro, dando tempo para, quem sabe, votar a reforma da Previdência.

Os tiros no Estácio devem ter mostrado ao mestre que sua jogada pode se tornar muito mais complicada do que presumia.

Sim, é possível obter algum efeito afastando este ou aquele agente corrupto e reprimindo quadrilhas do tráfico. Ninguém, aliás, deveria espernear contra uma redução de índices de violência obtida dentro de parâmetros aceitáveis de atuação das Forças Armadas.

Mas não é disso que se trata.

O disputado varejo da venda de drogas nos morros e favelas cariocas não é onde se concentra o grande poder e o grande dinheiro do tráfico. Para fazer alguma coisa mais efetiva, ainda que reduzida ao âmbito estadual, as Forças Armadas precisariam pelo menos coordenar uma ação de inteligência que levasse à prisão de figuras da política, do Judiciário, das polícias e do meio empresarial associadas ao crime organizado.

É de imaginar que trabalhem em algo parecido. De qualquer forma, uma ofensiva dessa ordem –ou mesmo menos ambiciosa– dificilmente será realizada sem a reação dos potenciais atingidos. E estes, como já ficou claro na morte da vereadora e em ataques como aqueles de São Paulo, não têm limites.

Uma diferença digna de nota, no caso de Marielle,  foi a presença de milhares nas ruas, em manifestações que se assemelharam àquelas que vemos em cidades europeias e americanas em repúdio a atentados.