Intervenção precisa de controle externo; ideia de mandados coletivos é grave

 

É preciso que se crie, ao menos, um conselho da sociedade civil ou algum outro tipo efetivo de controle externo  da intervenção federal antes que sua inclinação autoritária se imponha sem volta –como, aliás, já havia comentado nas linhas finais de post anterior. Se os riscos aos direitos já pareciam preocupantes ao se anunciar a militarização do setor, agora tornaram-se mais palpáveis com a notícia de que o presidente Michel Temer irá pedir ao Judiciário a expedição de mandados coletivos de prisão (disso logo recuou-se diante da reação) e de busca e apreensão para as ações das Forças Armadas no Rio.

A imaginação jurídica que tenta normalizar um instrumento excepcional para autorizar invasões de casas numa “região” (de gente pobre, claro, que tem culpa de morar em áreas com forte presença de traficantes) projeta sobre a intervenção as sombras do “modus operandi” da ordem policialesca.

Não que até aqui  direitos estivessem sendo respeitados. Invasões de residências e assassinatos nas favelas são parte da rotina da guerra estúpida que se trava contra o tráfico. Mas agora tenta-se oficializar e dar uniforme legal ao abuso. A “solução Bolsonaro“, como apelidei a coisa,  vai ganhando contornos alarmantes.

Não sei se há alguma “consciência democrática da nação”, como antigamente, a que se possa recorrer, mas é preciso vigilância dos setores comprometidos com as garantias do cidadão. Afinal, o tipo de entendimento do que seja “lei e ordem” que parece  embasar a intervenção dá sinais de ir em sentido oposto a salvaguardas do Estado de Direito.

FOTO – Militares, entre os quais o general Walter Braga Netto, atual interventor, participaram de operação  na favela da Rocinha em  setembro de 2017. Foto: Marco Vitale

 

POST SCRIPTUM 

Depois de ter escrito o breve post acima, veio a notícia de que o governo recuou dos mandados coletivos de prisão. Atualizei o texto e fiz pequenos acréscimos às 21h40 de segunda (19/2). Fui, então ao cinema, ver, enfim, “The Post” –um filme animador para quem acredita que o papel da imprensa é fiscalizar e não adular governos.

De volta, li uma informação da jornalista Cristiana Lôbo, da Globonews, dando conta de que o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, disse em reunião que seria necessário dar aos militares “garantia para agir sem o risco de surgir uma nova Comissão da Verdade” no futuro.

Lembre-se que em outubro, o presidente Temer já havia sancionado lei que transfere para a Justiça Militar o julgamento de militares acusados de crimes contra civis em operações como as que estão em curso no Rio.

A decisão de lançar as Forças Armadas em tarefas arriscadas e duvidosas como  essas vai gerando consequências constrangedoras e perigosas do ponto de vista institucional. A intervenção federal decretada por Temer foi iniciada em clima de improviso, numa daquelas típicas situações em que sabemos como o processo começa, mas não temos ideia de como vai terminar.

São justificadas as preocupações dos militares com o desconforto a que estão submetidos, mas isso não deveria servir para embasar regimes jurídicos paralelos em desfavor da sociedade civil. Cria-se, por interesses políticos e incompetência de  governantes, um conflito entre sociedade e Exército que seria melhor evitar.