Passei o domingo na onda ‘é proibido proibir’ do Baixo Augusta

 

Domingo (4/2) tomei coragem e fui ao desfile do Acadêmicos do Baixo Augusta. Coragem, digo, não pelo bloco, que sempre achei muito simpático, mas pela ideia de voltar a um desfile depois de tantos carnavais bem vividos e outros (nos últimos anos) de bendita abstinência.

A concentração estava marcada para as 14h na Consolação perto da esquina com a Paulista. Soube na véspera que havia  (não sei como não tinha pensado nisso antes) um esquema de pulseirinha, que permite à pessoa contemplada subir num dos carros de som ou ficar no asfalto do lado de dentro do cercadinho de corda que  garante a evolução do cortejo motorizado. Graças à generosidade de uma amiga  consegui descolar a minha na manhã do domingo.

E lá fui, de metrô, enfrentar a parada. O metrô, aliás, é um dos artífices dessa nova cena do carnaval de rua paulistano –embora algumas linhas e estações, naturalmente, superlotem e se tornem  inviáveis.

O esquema de ir tipo VIP num dos quatro caminhões do bloco teria em tese duas vantagens: chope liberado, oferecido por um patrocinador, e banheiro a bordo. Bem, um chopinho de graça não dói –embora não seja minha bebida predileta. Mas vai bem com carnaval, domingo, chuva e suor.

Já o banheiro, aí sim. Um privilégio, praticamente um auxílio-moradia para o candidato a folião. Só que quando o caminhão lotou e a nave partiu, a fila foi se avolumando e as condições sanitárias declinando ao ponto de melhor esquecer.

Decidi então descer da carruagem e ir para o asfalto.

O desfile foi divertido e impressionante. A massa na região, segundo anunciou-se, chegou a 1 milhão de pessoas. Nunca tinha visto tanta gente junta nas ruas de São Paulo. E o clima, até onde pude acompanhar –do alto ou no asfalto, fora do cercadinho– era alegre, sem corre-corre e sem sustos no quesito violência.

O Acadêmicos do Baixo Augusta é um bloco que tem uma onda “progressista”, como sempre insiste o diretor da companhia, Alê Youssef –que já entrevistei aqui no Blog. Foi criado por gente do meio cultural, solta em comportamento, com inclinações de esquerda transante.

O tema do desfile, como se sabe, era “É Proibido Proibir”, em alusão ao cinquentenário do Maio de 68, da canção de Caetano Veloso e de outros acontecimentos marcantes daquele ano sem fim. O pessoal do Satyros, que foi num carro próprio, fez performance com moças de seios de fora; artistas cantaram; alguns e algumas foram para o asfalto; e muitas garotas usaram um carimbinho na pele lembrando aos marmanjos sem noção que “não é não!”.

Vejo alguns amigos de redes sociais zoando o Baixo Augusta e sua linha (err…) “ativista”. Tudo bem. É sempre bom ter gente para divergir, ironizar e quebrar consensos. Mas o desfile foi bom, sem chateação. Tocou de Raul e Rita a axé e samba-enredo.

Cheguei a São Paulo, vindo do Rio, em fevereiro de 1984, pouco antes do Carnaval. O desfile das escolas, que me pareciam muito chinfrins perto das cariocas (e eram mesmo, ainda mais do que hoje), acontecia na Avenida Tiradentes. Blocos, se havia, eram raros. Um ou outro baile pré-carnavalesco. As ruas ficavam praticamente desertas. Mal se ouvia um batuque ali na esquina.A galera ia para a Bahia ou para o Rio.

Entendo que o carnaval de rua possa ser um problema. Muita gente reclama do barulho, da bagunça, da sujeira etc. Quem mora perto tem bons motivos para bode. No Rio, as queixas são comuns também. Assiste-se a uma proliferação incontrolável de blocos, bloquinhos e blocões. Por isso, há quem queira repetir o confinamento das escolas aos Sambódromos, criando uma espécie de blocódromo.

Vai na mesma linha de promover a Virada Cultural em algum Viródromo, como queria o prefeito João Dória, que pretendia concentrar as atrações no autódromo de Interlagos (o alcaide tem uma fixação em pistas para automóveis ou é só impressão?).  Mas a  ideia dos blocos e da Virada, pergunto, não seria justamente promover uma apropriação lúdica e massiva da cidade?

O Baixo Augusta, criado em 2009, sempre teve essa linha e sempre foi amigo da diversidade. Em 1984, aliás,não existiam o nome e o bairro. A Augusta, ali para o lado da cidade, tinha se transformado, com o perdão da palavra, num puteiro (com neóns cool, ok). Hoje, Baixo Augusta é uma marca da boemia, da diversão, do turismo –e cada vez mais também da gentrificação– de um pedaço significativo da cidade.

É notável o processo associativo que se instalou em São Paulo (e também em outras cidades) nos últimos dez ou 15 anos com o objetivo de recobrar a escala humana e dar ao espaço urbano outras formas de uso que não a circulação de gente trancada em carros ou espremida em ônibus.

Há problemas? Sim, sem dúvida. Mas prefiro ver a Consolação tomada pela massa num domingo de pré-Carnaval do que as vias desertas do velho túmulo do samba.

FOTO NO ALTO: SAO PAULO, SP, BRASIL, 04-02-2018: Integrantes do grupo de teatro Satyros, durante performance no bloco Acadêmicos do Baixo Augusta, na rua da Consolação, em São Paulo. (Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress, COTIDIANO)